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Livro “Carl Jung e o Direito Penal” aborda capacidade da justiça ter visão social

O Portal do Sindilex teve o privilégio de entrevistar com exclusividade Bruno Bracco, Mestre em Direito Penal, autor do livro “Carl Jung e o Direito Penal”. Na publicação ele indaga os processos do Direito Penal no Brasil e sua capacidade real de executar justiça social.

Ele defende uma visão multifatorial das transgressões, tendo em vista a precariedade da sociedade do país em atender diversos grupos populacionais. E vê muitas vezes os condenados como expurgos que aliviam as expectativas condenatórias e jogam as pessoas em prisões, no entanto sem resolver questões maiores do país.

– Direito Penal é um conceito engessado no Brasil?

Bruno Bracco – O Direito Penal é um ramo do Direito, concebido, como os demais, a partir de certas escolhas políticas. E as escolhas têm sido, quase invariavelmente, no sentido do incremento da punição e da restrita possibilidade de o réu expressar-se devidamente. As garantias são muitas vezes deixadas de lado. A rotina de trabalho já parece solidificada, e nem legislador, nem juiz, nem promotor, nem advogado costumam ter pensamentos criativos, questionadores do sistema – que é, sim, engessado, rígido, sem criatividade, sem humanidade.

– Deveria haver flexibilização para adequação social?

Bruno Bracco – O momento histórico atual parece demandar que todo o formalismo dê lugar a uma análise multifatorial. O Direito Penal que temos é pálido, frio. O juiz tem pouquíssimo contato com o réu. Quando tem, muitas vezes evita o menor contato visual. O Direito Penal precisa de contato. Precisa que se olhe para a realidade social. Precisa que se olhe para a parcela da população capturada pelas garras do sistema. É preciso que o legislativo perceba o impacto de suas escolhas, do aumento da punição. É preciso que nosso olhar, como sociedade, se expanda, e que de fato comecemos a questionar se o caminho que estamos trilhando poderá levar a uma sociedade de fato melhor. Eu não tenho dúvidas de que um questionamento sério levaria a uma mudança radical de caminho e de escolhas políticas.

– O juiz que atua na ponta criminal vive a experiência de uma sociedade intolerante?

Bruno Bracco – O juiz tende a ser o porta-voz de uma sociedade intolerante. Mas esta é uma postura que não se pode admitir de um juiz, porque é extremamente unilateral. Não há problemas em o juiz ouvir os clamores de uma sociedade intolerante. Mas o juiz deveria, ao lado disso, ouvir outras vozes: a do réu, a da população vulnerável, a da lei, a da Constituição, a dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Há um vasto arcabouço que deve balizar a decisão do juiz. O bom juiz é aquele que considera todos os vetores. Mas, ao que parece, ouve-se mais o grito mais alto, e nada é mais estridente que o grito de uma sociedade intolerante.

– Qual a relação de Jung como o Direito Penal diretamente?

Bruno Bracco – O psicólogo suíco Carl Jung apresenta uma visão de mundo que ajuda a compreender muitas facetas da vida humana, e o Direito Penal é apenas uma delas. Jung demonstra como o ser humano tem a tendência de não assumir seu lado sombrio e prefere enxergá-lo em outras pessoas. As pessoas processadas criminalmente são bodes expiatórios que a sociedade inconscientemente escolhe. A raiva sentida contra o preso é, na verdade e muitas vezes, uma raiva que a pessoa sente contra si mesma – contra seu lado sombrio, hediondo, contra seus pensamentos mais terríveis, contra sua ganância, suas emoções sujas… contra tudo aquilo que a pessoa no íntimo sabe que carrega consigo, mas que não quer confessar nem a si mesma! Estudar Jung nos ajuda a entender isso. Ajuda a entender que um Direito Penal punitivista sempre vai ser ‘confortável’ para a população, mas que ao mesmo tempo esse punitivismo traz resultados terríveis, repletos de crueldade, e a própria sociedade se vê alienada de suas próprias mazelas, incapaz de trabalhá-las psicologicamente.

– Camadas sociais vulneráveis encontram amparo adequado no sistema?

Bruno Bracco – Evidente que não. Isso não é segredo para ninguém. Não parece haver qualquer dúvida de que o Direito Penal é seletivo. O sistema não apenas não acolhe as camadas vulneráveis, como as vulnerabiliza ainda mais. As leis mais duras são contra crimes patrimoniais. Já foi demonstrado que o juiz é inconscientemente levado a julgamentos mais duros contra pessoas de classe social diferente da classe dele, juiz. E o sistema assim segue, se retroalimentando sempre.

– É conflitante o exercício de justiça de fato em uma sociedade perversa economicamente?

Bruno Bracco – O tema do acesso à justiça é intrincado. Uma coisa é a garantia formal, em tese igual para todos. Outra coisa é a realidade fática. As custas de um advogado são altíssimas. A quem não tem condições, nomeia-se advogado dativo que nem sempre realiza o melhor trabalho. A Defensoria Pública, que em tese poderia melhorar substancialmente esse cenário, é instituição prevista desde a Constituição de 88, mas que segue enfrentando incontáveis obstáculos políticos para implementar-se como deveria. O número de defensores públicos no Brasil é baixíssimo. E tudo isso sem mencionar as pessoas que, de tão excluídas socialmente, sequer desconfiam que têm determinado direito judicializável, ou sequer desconfiam que podem ter voz no espaço público. No Direito Penal, tudo isso ganha contornos ainda mais dramáticos. As garras do sistema se voltam justamente contra aqueles que menos podem se defender. E não parece existir grande interesse – seja político, social, da mídia ou do próprio sistema de justiça – em modificar o que está aí.

– Quais as vacinas deste processo? Educação? Oportunidade? Ensino de tolerância?

Bruno Bracco – As vacinas são conhecidas. Não há, nem nunca houve segredo. Não há caminho curto. O caminho efetivo é o mais longo, mais dolorido, mais sofrido, cujos resultados são menos visíveis imediatamente – e que portanto dá também menos voto. É a educação, é a oportunidade, é a tolerância, mas é mais. É a gradual tomada de consciência por parte da sociedade de que todos, sem exceção, somos membros de uma mesma coletividade. É a tomada de consciência de que não existe sociedade saudável se uma parcela é dia após dia pisoteada, torturada, ignorada. É a tomada de consciência de que vivemos em uma sociedade longe de uma verdadeira sanidade psíquica – pois, assim como duvidaríamos da sanidade de um pai que se diz feliz enquanto seu filho agoniza num quarto de hospital, devemos duvidar da sanidade de uma sociedade que segue, dia a dia, flagelando tantos de seus próprios membros. Como dizia Jung, o crescimento psíquico é sempre em direção à totalidade, à integridade. O caminho é tratar todos, sem exceção, com o respeito que cada um merece pelo simples fato de ser humano.

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