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O capitalismo financeiro no Brasil – Ensaio

Por Sônia Alves Economista e Presidente do Sindilex  e Marcos Alcyr B. de Oliveira Doutor em Filosofia do Direito e Diretor do Sindilex 

O Capital age de forma totalizante, global e o combate a esse modo produção deve ocorrer de uma forma igualmente totalizante, aglutinando os saberes e, em nenhuma hipótese, fragmentar o conhecimento, sob o risco de sermos tragados pelo sistema sem nos darmos conta disso. Daí a importância de se conhecer com profundidade a economia, o direito, a sociologia, a educação, entre outros saberes.

Considerando que o capitalismo, por natureza, está em constante mudança (“regime de revolução permanente nas formas de produção”), não fugiu à regra a mudança em relação à política do bem estar social do pós-guerra, para uma política crescente de financeirização a partir dos anos 1980 no mundo, e dos anos 1990 no Brasil. Nesse novo modelo de capitalismo financeiro, o capital gira e se valoriza sem produzir nenhuma mercadoria.

O abandono da produção real fomenta, ao longo de anos, o desemprego e a miséria que aflige grande parte da população. Esse cenário, aliado ao crescimento da tecnologia que também desemprega a força de trabalho, temse a morte da renda das famílias e do consumo.

No modelo financeiro, o capital se reproduz num mecanismo fictício, fazendo o dinheiro circular e criando, em vários momentos, bolhas financeiras. Os altos juros praticados pelos bancos para empréstimos, parte dessa órbita financeira, são tão altos no Brasil (na média de 120% ao ano) que inviabilizam a captação desses empréstimos pela indústria para o investimento produtivo.

Além da especulação dos grandes mercados financeiros (compras de ações, dólar, etc.), outra forma desse giro de capital financeiro é o investimento na compra de papéis chamados títulos da dívida pública. Tal aquisição de papéis garante a rentabilidade por meio de fixação prévia de taxa de juros pelos governos, sempre favoráveis aos credores dessa dívida.

Assim, pode-se afirmar que o endividamento público é rentável aos investidores do mercado financeiro, eis que quanto maior a dívida da União, maior será a política de juros que favoreça os especuladores, pois os governos buscam valorizar os títulos da dívida para que sejam atraentes ao mercado.

A política neoliberal se fundamenta nessa lógica, ou seja, para favorecer o rentismo (os credores da dívida pública), pratica medidas que buscam “enxugar” as áreas do Orçamento de uma Nação sempre visando usar a sobra de verbas para pagar a dívida interna.

No ano de 2019, o Brasil pagou R$ 285 bilhões em pagamento da dívida pública. Esse dinheiro precisou ser subtraído de algum lugar no Orçamento.

Ressalte-se que nem sempre a dívida do governo foi adquirida em troca de investimentos para a Nação, como aplicação em estradas, portos, hospitais, investimentos em educação, ciência ou pagamento de salários e direitos sociais. Parte dessa dívida consiste em fraudes e atividades ilegais que foram se amontoando e solapando o Orçamento do país.

O Orçamento da União é uma peça que vive em constante disputa de forças da sociedade para ver quem leva a maior parte da riqueza produzida pela nação. Nessa disputa, um governo neoliberal atuará sempre no sentido de diminuir os gastos sociais e de investimento em infraestrutura para obter verbas capazes de financiar bancos por meio do pagamento da dívida pública e por outras medidas que estimulem o mercado financeiro, haja vista o montante destinado aos bancos em meio a essa pandemia de Covid-19, que chegou à cifra de R$ 1,2 trilhão, o equivalente a 16,7% do PIB (Produto Interno Bruto)¹.

Cortar os gastos com Previdência Social, aprovar matérias que impõem teto de gastos nas áreas da saúde e da educação (Emenda Constitucional 95/2016 que congela os gastos com saúde e educação por 20 anos), privatizar estatais mesmo que lucrativas, cortar verbas da assistência social, cortar salários e desregulamentar carreiras de servidores públicos, todas são medidas que visam espremer um lado do Orçamento Público, visando obter sobras de verbas para o que se estabelece como prioridade: o pagamento da dívida e, assim, locupletar o rentismo.

Na outra ponta, a política econômica praticada é a de um Estado anêmico, ou seja, que não investe em obras de infraestrutura que poderiam alavancar a indústria da construção civil que, por conseguinte, demandaria o fornecimento de uma enorme quantidade de matérias primas resultando em retomada de crescimento do setor produtivo e retomando, também, o emprego e a renda das famílias.

Para tentar compensar o setor produtivo que claudica dentro dessa política de inanição do Estado e dos juros escorchantes do sistema bancário que asfixia a produção, o governo então corta direitos de trabalhadores do regime de CLT, corta salários e desregulamenta o trabalho. Ou seja, se não pratica uma política de alavancar a economia, atua com a tesoura nas mãos penalizando a classe trabalhadora.

No Brasil, a taxa de miséria, subemprego e desemprego é altíssima, consequente dessa política de favorecimento dos investimentos ao mercado financeiro, somada ao desemprego tecnológico e à paralisia do Estado como fomentador de investimentos e garantia de renda das famílias.

Tal cenário só contribui para o rebaixamento dos salários médios, eis que se cria um exército industrial de reserva numeroso, disposto a ser empregado por salários inferiores aos praticados.

Acrescenta-se a isso o fato de que os bancos não pagam impostos. Seus lucros e dividendos são isentos. O Brasil e a Estônia são os únicos países do mundo que não cobram impostos sobre lucros e dividendos.

Isenções também são praticadas sobre as grandes fortunas e heranças, evidenciando que a conta está sendo paga pelos trabalhadores e pela população mais pobre.

Não bastando a economia girar entorno dos ganhos especulativos, o governo vigente adota medidas e propostas futuras que podem ser chamadas de criminosas:

a) A compra pelo Banco Central das sobras de caixas dos bancos, através de emissão de títulos da dívida pública, ou seja, aquele dinheiro que sobra no caixa dos bancos, que não foi emprestado, ou seja, que ficou parado sem render juros, é comprado pelo Banco Central brasileiro remunerando essa “sobra” com títulos rentáveis do governo;

b) O conteúdo da PEC 10/2020 que, se aprovada, autorizará o Banco Central a comprar títulos podres que são aqueles títulos já vencidos que não trariam mais rendimento aos seus portadores. O BC compra e remunera com títulos novos e rentáveis. Tal operação pelas regras atuais é ilegal.

Já os orçamentos dos Estados estão também comprometidos, eis que devem para o governo federal e, muitas vezes, via contratos altamente lesivos (juros sobre juros), que acabam engessando a atuação desses entes da federação. Com isso, os estados ficam impedidos de investir em saúde, educação, cultura e infraestrutura, entre outros, em razão da austeridade fiscal imposta pela União.

Para combatermos esse tipo de exploração maquiada de austeridade fiscal e realizarmos uma “eutanásia no rentismo”, temos que compreender os mecanismos utilizados para que possamos denunciá-los e desmontá-los.

Para tanto, se faz necessária a compreensão do orçamento, a fim de identificarmos o comprometimento deste com a dívida pública e a quantidade de verbas destinas para a previdência, a saúde, educação, cultura, etc.

É fundamental o estreitamento de nossas relações com a entidade Auditoria Cidadã da Dívida que conhece os meandros do sistema da dívida pública e do Orçamento da União e dos demais entes da federação.

Importante também nosso relacionamento com as lideranças de outros sindicatos e de centrais sindicais, para termos a dimensão do desmonte do serviço público.

A Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), entidade sem fins lucrativos propõe:

1 – realizar, de forma cidadã, a auditoria da dívida pública brasileira, interna e externa, federal, estaduais e municipais;

2 – demonstrar a necessidade do cumprimento do disposto no artigo 26 do ADCT da Constituição Federal de 1988, que prevê a realização da auditoria da dívida externa;

3 – Exigir a devida transparência no processo de endividamento brasileiro, de forma que os cidadãos conheçam a natureza da dívida, os montantes recebidos e pagos, a destinação dos recursos e os beneficiários dos pagamentos de juros, amortizações, comissões e demais gastos;

4 – Exigir a devida transparência do orçamento fiscal, de forma que os cidadãos conheçam detalhadamente todas as fontes de recursos públicos e sua respectiva destinação;

5 – Mobilizar a sociedade em ações coordenadas para a exigência do cumprimento do dispositivo constitucional que determina a realização da auditoria da dívida;

6 – Promover estudos e pesquisas relacionados com o tema do endividamento público brasileiro;

7 – Popularizar a discussão do endividamento público por meio da elaboração de publicações, manutenção de página na internet e promoção de eventos;

8 – Estabelecer relações com outras entidades e redes nacionais e internacionais com o objetivo de realizar estudos, cooperar com processos de auditoria da dívida em outros países, divulgando a auditoria como ferramenta de investigação do processo de endividamento e como meio para articulação internacional de países endividados.

¹https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/03/23/com-crise-bc-ja-anunciou-r-12-trilhao-em-recursos-para-bancos.htm

 

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